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Artigo: Cinco mil vidas em eco

Publicado por: Campus Rondonópolis / 7 de Março de 2016 às 11:14

Marcelo Brito da Silva é mestre em Literatura e professor do Instituto Federal de Mato Grosso, situado na Vila Mineira em Rondonópolis.

“Quem não lê, aos 70 anos terá vivido só uma vida. Quem lê, terá vivido 5 mil anos”. A frase é de Umberto Eco, o famoso escritor de O Nome da Rosa, falecido mês passado em Milão, aos 84 anos. Tal frase me fez pensar no poder multiplicador da leitura: multiplica nossas experiências, nossa sensibilidade, nossa capacidade de pensar e, por tabela, nossa consciência crítica. Mário Vargas Llosa, ao receber o prêmio Nobel de Literatura disse que não há nada melhor para fomentar a criticidade do que a leitura literária.

Penso que Eco fazia referência a algo muito singular na literatura a que podemos chamar de experiência vicária. É o poder que tem a literatura de nos transportar para outro tempo e lugar para “vivermos” os dramas de outras pessoas, as personagens da ficção. No mergulho da leitura o leitor experimenta a suspensão da incredulidade, ou seja, envolve-se a tal ponto de tomar a história como verdadeira, ainda que seja invenção, imaginação do autor. Daí chega a torcer, sorrir ou chorar com os sucessos das personagens pelo processo vicário (substitutivo) a que me referi acima.

Mesmo não perdendo um filho, eu posso me aproximar da dor que tal experiência produz ao ler, por exemplo, O Quinze, de Raquel de Queiroz, romance em que a retirante assiste a seu filho agonizando até morrer após ter comido mandioca brava, sem nada poder fazer. Ou compartilhar a angústia de Luisinha, de O primo Basílio, com a chantagem que Juliana lhe fazia diariamente, a empregada doméstica que havia guardado as provas de sua traição. Ou o desespero que Bertoleza sentiu ao ser descartada, abandonada como lixo por João Romão, no romance O Cortiço. Ou a satisfação do amor correspondido dos protagonistas de A Moreninha. Ou ainda a extrema alegria de se receber uma herança inesperada e se tornar um homem rico da noite para o dia, como aconteceu com o afortunado enfermeiro de Quincas Borba no romance machadiano.

Esses são apenas alguns exemplos que apontam sentimentos despertados pela leitura de um bom livro. É esse contato com as virtudes e vícios das personagens da ficção, com sua luta cotidiana tão igual a nossa, com a análise psicológica e as descrições que os grandes escritores são capazes de nos proporcionar que pode multiplicar os limites da nossa vida. Não mais uma vida, mas muitas vidas em eco, como disse o célebre escritor italiano, cujo nome nos fornece aqui o trocadilho mais que pertinente. Quem lê vive mais, literalmente!

(*) Marcelo Brito da Silva é mestre em Literatura e professor do Instituto Federal de Mato Grosso, situado na Vila Mineira em Rondonópolis.

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